terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Time is on my side *

Algumas coisas mudaram bastante de uns anos para cá. Coisas que conceitualmente tinham uma imagem na minha cabeça e, de repente, quando me deparo com elas novamente, acontece um choque de diferença de conceitos que me faz ver que este país (e talvez estejamos falando em nível de mundo) ficou mais profissional, menos amador.

Vou contar o que aconteceu para ver se consigo colocar essas palavras doidas em coisas mais tangíveis. Ontem me furou um pneu do carro. Olha... faz mais de 5 anos que tenho carro, já estou no meu segundo filhote, mas é a primeira vez que tenho um pneu furado. Beleza, troquei o pneu em casa mesmo, coisa que eu também não fazia há um bom tempo, diga-se de passagem, e guardei o furado no porta-malas. Mais tarde fui levá-lo a uma borracharia aqui perto de casa (Borracharia Barão, se não me engano) e foi aí que meu mundo começou a ruir. Local limpo, claro e profissionais uniformizados. Já comecei a estranhar por aí. Parei meu carro, expliquei que o pneu "titular" estava furado no porta malas. Um rapaz retirou o mesmo do local e levou ele para os fundos da loja. O outro funcionário que ficou já levantou o carro no macaco hidráulico e com aquelas pistolas pneumáticas iguais às usadas na F-1 foi desatarrachando os parafusos da roda com rapidez digna da equipe Ferrari. Duas coisas aqui: primeiro: dois funcionários me atendendo. É a setorização da Borracharia. Setor de conserto de pneus e departamento de levantamento e retirada de estepe. Segundo: pistola pneumática? Cadê o "Seu Adão", aquele borracheiro com meia dúzia de dente na boca, com uma camiseta regata desbotada da Copa de 82, palito no dente (nos dois dentes que tem a sorte de estar juntos), com uma bermuda surrada (normalmente verde ou vermelha escura, daqueles tecidos sintéticos meio brilhosos) e calçando Havaianas azuis-calcinha velhas e já quase sem sola?

Aí o Seu Adão, que nem sonha o que é uma pistola pneumática "deve ser uma dessas armas novas que a gente vê em filme" - pensaria ele - dá umas pisadas num estilo "coice-de-porco" na chave-de-boca já espetada no primeiro parafuso da roda do seu carro. Cuspida num canto, comenta "tempo véio feio, heim tchê?" e segue dando pataços nos parafusos até sairem todos. Pega seu pneu e leva pros fundos, desviando de um pôster-calendário da Pirelli de 1988, mostrando a Vera Fischer como veio ao mundo, com aquele tufo de pelos pubianos que mais parecem o Chewbacca. Enfia o seu pneu dentro de uma banheira com uma água véia suja que não ser trocada desde que o pai do Seu Adão, o véio Deocrécio, abriu a borracharia em 1952.

E demora... impressionante. Você perde uma boa meia hora no local até o Seu Adão achar o furo e dizer " aqui o sem vergonha. Vou ter que colocá uma câmara por dentro, dotô. Esse aqui não dá prá remendá". Aí dê-lhe marretada de borracha no pneu até soltar da roda. Parece que o cara tá forjando uma espada. Serviço feito, aquela velha e boa babada no ventil da câmara, que até hoje não entendo pra que serve (acho que é pra ver se o ar não está escapando do mesmo) e lá vai o Seu Adão fazer o processo de patadas reversas na chave-de-boca pra firmar o pneu de volta no lugar.

Sabe quanto tempo fiquei na borracharia hoje ao meio-dia? Cinco minutos. Mal o tiozinho da pistola tinha retirado o estepe, já vinha o guri lá dos fundos com meu pneu consertado em mãos (deve ter usado um sistema de escaneamento a laser para descobrir o furo), que ele rapidamente colocou no local apropriado com a mesma pistola automática, enquanto o outro funcionário já ia colocando o estepe de volta a seu local de origem. Sabe quando você vai preparado para perder um tempão num lugar e acaba em cinco minutos? Você fica meio "tah e agora... volto pro trabalho as 12:30?".

Não dá pra negar que é uma profissionalização do amadorismo. Uma automatização e padronização de um processo antigo, que existe desde que os primeiros automóveis começaram a rodar por este mundo. Falando de forma genérica, as coisas estão ficando cada vez mais padronizadas. Há cada vez menos espaço para o fundo de quintal, o feito em casa, a maneira antiga. Isso é bom? Talvez seja para algumas áreas, nem tanto para outras, mas é uma mudança, sem sombra de dúvida. Este é um processo que já vem acontecendo faz algum tempo e creio ser irreversível. Tenho certeza que ainda existem muitos "Seu Adão" espalhados por esse Brasil brasileiro.

Momento Polaroid de hoje é uma homenagem a alguns dos maiores ídolos da história do Grêmio. Semana passada fui ao Monumental pegar autógrafos das lendas do Mundial Interclubes de 1983. Professor Valdir Espinosa, o Capitão América (o original) Hugo De Léon, César, Osvaldo, Casemiro, Robson e Baidek me deram a imensa honra de colocar seus nomes no manto sagrado tricolor. Nunca mais uso. Nunca mais lavo.


Os autógrafos das lendas.


Libertadores 1995.


As lendas reunidas. Ao fundo, a taça do Mundial Interclubes.

Namastê!

*
Rolling Stones - Time is on my side

6 comentários:

Guilherme disse...

step = ESTEPE?

DÁ-LHE GRÊMIO!!!

Paulo, no más disse...

Pois sabe Thiago, aqui em Rio Pardo o seu Adão está em todas as borracharias e em algumas até o seu Deoclécio. Quanto a água daquele tanque onde eles verificam o furo do pneu, já há encomenda do Pentágono para ser usada como arma química... hehehehe
Será que alguns destes que te deram autógrafo não querem voltar????????

Thiago disse...

Gui, bichinha: já corrigi pra ESTEPE, seu tupiniquim do cacete!

Pois é, pai... eu já imaginei que em Rio Pardo alguns desses borracheiros clássicos ainda permaneceriam incólumes. Nem tudo está perdido!

Anônimo disse...

Hahahaha ...
Simplesmente adorei a descrição do seu Adão consertando o pneu furado. Já encontrei alguns desses "Adãos" por aí, e são iguais a sua descrição, só faltou os furos gigantescos na camiseta suja.

Mas vou te dizer que essa borracharia ultra, mega, super moderna é mais uma das vantages que se encontra em cidades privilegiadas como Porto Alegre ou SP.

Sobe um pouco no mapa do nosso incrível país p/ vc ver a visão do inferno!

Como diria meu professor de inglês: "Manaus não é o fim do mundo, mas daqui dá p/ ver!" rsrsrs

Vc escreve muito bem mesmo, a descrição do seu Adão ficou perfeita!

Bjaum

Guiga disse...

Realmente, o estereótipo do borracheiro (e do mecânico tb) está indo por água abaixo...graças a deus! As motoristas agradecem!

Simone disse...

pior de tudo nem é a demora, mas sim os clássicos cofrinhos de fora. um espetáculo!